De origem humilde nos Estados Unidos, Gabe Gabrielle aprendeu a viver o lado bom da vida sozinho, a partir de apenas três regrinhas: faça seu melhor, aproveite o que você está fazendo e acredite em si mesmo. Foi assim que o engenheiro, que começou no mercado de trabalho como chapeiro no McDonald’s, conseguiu seu lugar na renomada Administração Nacional da Aeronáutica e Espaço, mais conhecida como Nasa.
Passando dificuldades na escola, Gabe terminou o ensino médio aos 18 anos. A partir daí, foram 12 anos até construir a confiança de que ele poderia sim entrar na faculdade, enfrentando o medo de não ser inteligente o suficiente e passando pelos mais variados empregos. Foram oito anos até a formatura de Gabe, que tinha que se virar entre os estudos à noite e o trabalho durante o dia. Isso não foi um problema. “Não se apresse para chegar no seu objetivo. Aproveite a aventura”, costuma dizer. Foram dez anos até entrar na Nasa e, hoje, Gabe trabalha integralmente visitando escolas ao redor do mundo para inspirar crianças com sua história.
Em sua décima primeira vez no Brasil, mas primeira vez no Ceará, Gabe revela os segredos do seu sucesso e dá dicas de como realizar os sonhos. Ele esteve na 2ª edição do NASA Science Days, que ocorreu no North Shopping Fortaleza, nos dias 23 e 24 de março. O evento educativo contou com programação gratuita de palestras, oficinas interativas e exposição.
OP – O senhor trabalhou como motorista de ônibus, chapeiro do McDonald’s, e teve vários outros empregos. Como você chegou onde chegou?
Gabe – Eu ia muito mal na escola. Quando eu terminei, eu não conseguia nenhum emprego porque eu não tinha muito estudo, então eu comecei no McDonald’s. E eu gostava de participar de corridas de carros, mas eu não podia. Então eu me divertia no McDonald’s, era ótimo, mas eu não podia, no geral, crescer com o que eu estava ganhando no McDonald’s. Então, por 12 anos, eu tentei diferentes empregos, fiz muitas coisas. E nada me dava o que eu precisava. Então, depois de 12 anos, eu comecei na faculdade à noite, eu precisei de oito anos. Então, 20 anos depois que eu terminei o ensino médio, eu terminei a faculdade, e isso abriu muitas portas. E aí, eu queria trabalhar com a Nasa, com algo relacionado ao espaço. Então eu concorri e consegui.
OP – E agora, o senhor trabalha com o que?
Gabe – Visitando escolas. Por pelo menos dez anos eu tenho visitado escolas e trabalhado, e eu estava fazendo cada vez mais coisas nas escolas e eu tinha cada vez menos tempo. Então, três ano atrás eu decidi que eu poderia usar todo meu tempo para visitar as escolas. Eu não sou pago por esse trabalho, eu faço tudo de graça. Então, depois que eu percebi que eu tinha dinheiro guardado suficiente, eu poderia me dedicar totalmente a isso. Nos últimos três anos eu já visitei 13 países e centenas de escolas, em todo mundo. É a minha décima primeira vez visitando o Brasil, e eu gosto muito. Eu costumo dizer que, de todos os lugares do mundo, os brasileiros têm os corações mais gentis. As pessoas são tão carinhosas aqui, tão amigáveis, é um prazer.
OP – Que conselho você daria para estudantes e jovens que estiveram no mesmo lugar que o senhor esteve e, principalmente, que conselho o senhor daria para os brasileiros que querem se tornar engenheiros na Nasa?
Gabe – Nas apresentações que eu faço, eu falo muito sobre sonhos e objetivos. E eu digo que eles têm que ter um objetivo, têm que ter uma razão para ir para a escola e se dar bem. E, qualquer que seja o seu objetivo, você anota e se pergunta “o que eu preciso fazer para chegar a esse objetivo?”, e eu sempre encorajo as pessoas irem devagar, não se apressarem. Quanto mais devagar, mais fácil é. Eu falo sobre três coisas: faça seu melhor, aproveite o que você está fazendo e acredite em si mesmo. Eu digo que se eles conseguirem aprender essas três coisas, eles nunca vão trabalhar e sempre vão se divertir, nunca vão se estressar. A vida vai ser divertida e eles terão muito sucesso. Só com essas três dicas. Eu falo sobre o programa do espaço entre essas coisas. Eu mostro astronautas no espaço e falo de objetivos e sonhos. Então eu misturo tudo e as crianças realmente ficam prestando atenção, porque eles não estão escutando algo com o qual eles não se importam. Se eu falo sobre o espaço, eles escutam, e, ao mesmo tempo, se eu ponho essas dicas no meio, eles também escutam, então funciona muito bem. Eu realmente acredito que as crianças aprendem muito. Meu objetivo principal é que eles possam ter esperança. Quando eu saio depois deles falarem comigo eles acreditam que podem fazer qualquer coisa. Quanto mais confiança, você desenvolve a crença em si mesmo, e, uma vez que você tem uma forte crença em si mesmo, você não se preocupa com mais nada, porque você pensa que pode fazer qualquer coisa. E todos nós deveríamos viver desse jeito, os adultos, todas as pessoas. As pessoas estão sempre cercadas de estresse e pressão, elas meio que foram ensinadas que essa é a maneira em que a gente vive, e que tem que ser desse jeito, que a gente tem que morrer de trabalhar. E não precisa ser assim. Se eles quiserem ir para NASA, eu os encorajo a fazer isso. Anote, faça seu objetivo, planeje os passos. Pode durar 20 anos, não precisa se apressar, pode aproveitar a aventura. Muitas vezes, nós temos uma ideia do que queremos fazer e, quando chegamos lá, não era o que a gente esperava. Se você se divertir chegando lá, você vai tentar outra coisa, mas se você teve um caminho miserável, você não vai querer fazer mais nada. É assim que eu vivo. E eu nunca trabalhei um dia na minha vida, eu sempre me diverti, e eu quero que as crianças saibam que elas têm essa escolha. Para algumas pessoas é impossível, elas precisam ter estresse na vida, é tudo que elas conhecem, é tudo que ensinaram, e eu tento dizer que nada do que você faz precisa ser difícil, tudo pode ser fácil, se você abordar da maneira certa.
OP – Como os outros trabalhos que o senhor teve contribuíram para o desenvolvimento da sua carreira?
Gabe – Eu acho que você aprende com tudo que você faz. E eu digo que ter trabalhado no McDonald’s foi um ótimo trabalho. Primeiro, eu aprendi que eu poderia fazer alguma coisa. Enquanto eu crescia, eu fracassava em tudo que eu fazia, e quando eu fui para o McDonald’s, eu conseguia fazer um hambúrguer. Pode não parecer muito, mas foi quando eu percebi que eu poderia fazer alguma coisa. Então, eu consegui outro emprego, e os empregos foram ficando cada vez mais fáceis porque eu estava desenvolvendo uma confiança em mim mesmo. E uma das coisas que eu aprendi nesses 12 anos é que eu achava que você tinha que ser tão inteligente para entrar na faculdade e eu achei que eu nunca ia ter essa capacidade. E então, durante esses 12 anos eu conheci muitas pessoas que foram para a faculdade, e elas perguntavam para mim “Gabe, como você faz isso? Como faz aquilo?”, e eu ficava pensando “você foi para a universidade! Você deveria ser mais inteligente que eu. Como pode você estar me perguntando alguma coisa?”. E então eu percebi que se eles conseguiam, eu também conseguiria. É muito engraçado como tudo aconteceu, mas é a verdade.
OP – Na sua opinião, quais são os maiores obstáculos para jovens entrarem na Nasa?
Gabe – O primeiro obstáculo é que você precisa ser um cidadão americano. Esse é o grande desafio. Eu nunca digo, difícil, eu nunca digo fracasso. Você nunca perde, você sempre aprende. Toda vez que você faz alguma coisa e não acontece do jeito que você imaginou, você aprende tanto. E uma das coisas que você aprende é confiança. E aí você se lembra dos outros obstáculos que você superou e sabe que pode superar esse aqui também. Então, o desafio básico é que você tem que ser um cidadão americano. Mas é possível, eu ainda encorajo as pessoas a fazerem isso. E eu tenho encorajado especialmente brasileiros a se engajarem no programa espacial brasileiro, ou o programa espacial europeu. Você se envolve nessas agências e ganha experiência, conhecimento. Você pode tentar ir para o Estados Unidos como um estudante, qualquer coisa que te leve lá, e você tenta estabelecer residência. Se candidatar para a Nasa é como qualquer outro emprego no mundo. Tem um site, você olha as vagas disponíveis e se inscreve. Não tem nada complicado no processo, mas muitas pessoas querem os cargos. Então, eles normalmente escolhem aqueles com mais experiência. Mas a Nasa tem todos os trabalhos. Você pode ser um cozinheiro, um engenheiro, como eu, ou se tornar um astronauta. Nasa é como uma pequena cidade, então, dentro dessa cidade eles fazem tudo. Dirigem ônibus, para mim, você pode cortar a grama na Nasa e é mágico porque você está cercado por todas aquelas coisas. Você não precisa ir ao espaço, mas você tem a sensação de que você foi com todas as pessoas porque você é exposto a todas as partes do processo.
OP – Por que o espaço é tão mágico, principalmente para crianças e jovens?
Gabe – Eu acho que é por causa da imaginação. A ideia de visitar outro planeta ou ficar flutuando pelo espaço. Eu acho que representa mágica para as pessoas. Sair da Terra e ficar viajando. Eu adoraria ir. Eu sempre digo que, quando eu estava no trabalho, eu tinha uma bolsa preparada para caso alguém me dissesse “Gabe, nós temos um lugar”, e eu iria imediatamente com eles. Eu acho que é a imaginação. Quando pensam no espaço, não tem limites. Na Terra, a gente sabe que tem meio que um fim mas, no espaço, isso não existe. Crianças têm muita imaginação então é isso que eu acho que atrai. E no Brasil, mais do que qualquer lugar no mundo, as crianças querem visitar o espaço. E eu já falei com milhares de jovens ao redor do mundo.
OP – E por que o senhor acha que isso ocorre, especialmente, no Brasil?
Gabe – Eu acho que, no Brasil, as crianças se sentem presas, limitadas. Elas não podem conseguir a educação que elas querem, elas querem mais do que recebem aqui. Eu sei que existem escolas privadas muito boas e faculdades também, mas a maioria das crianças de escola pública não tem a chance de fazer isso. Então, elas têm uma fascinação pela Nasa muito grande, e quando eu falo com elas, eu digo para tentaram os programas e agências espaciais brasileiros e você pode aprender com isso e depois ir para a Nasa. Mas tente permanecer no Brasil. Tem muita gente inteligente por aqui e na medida que você se desenvolve no programa, você pode torná-lo maior aqui. Em São Paulo, eu estive com o pessoal de agências espaciais brasileiras e europeias e eu perguntei: “Como eu posso ajudá-los a desenvolver os programas de vocês?”. Apesar de todo o alvoroço pela Nasa, eu tenho aconselhar a ficar no Brasil primeiro. Então, eu acho que a maioria das crianças não tem muitas oportunidades e, por isso, elas querem sair daqui.
OP – Por que o senhor acha tão importante acreditar no Brasil, já que muitos brasileiros nem acreditam mais?
Gabe – Bom, primeiro, é muito mais fácil. Você não precisa ir para outro país, não precisa aprender inglês. E eu adoraria ver o programa espacial brasileiro crescendo até o ponto de dar muitas oportunidades para as crianças aqui. E você pode usar como um trampolim, aprender, ganhar experiência, e talvez ir para a NASA. Mas se você não conseguir, principalmente por causa da barreira de ser cidadão americano, tente outras agências. O programa espacial está crescendo cada vez mais em todo o mundo. Muitos países querem ir à Marte. Muito mais oportunidades do que dez anos atrás, e, daqui a dez anos, eu acredito que vão ter ainda muito mais oportunidades. E eu digo para as crianças, na medida que elas crescem e se envolvem com as agências, elas devem expandir e deixar melhor para as crianças que irão vir depois.
OP – Agora o senhor está trabalhando com crianças, visitando escolas. Mas, quando o senhor trabalhava como engenheiro, como era sua rotina?
Gabe – Eu era mais um engenheiro de construção civil, então eu lidava com estradas, pontes, prédios, elevadores… Eu chegava no trabalho e eles me diziam que alguma ponte não estava funcionando, o teto estava vazando ou algo do tipo, e eu tinha que descobrir qual era o problema, como consertava e quanto custaria. Então eu andava pelo centro espacial inteiro, era incrível. Todo dia eu visitava algum prédio incrível e eu podia ver todas aquelas coisas mágicas. Mesmo que eu não estivesse indo ao espaço e eu não estivesse construindo as espaçonaves, eu estava envolvido em tudo, e eu nunca me cansava. Todo dia era uma nova aventura, toda hora era uma nova aventura. Todo lugar que você visita no centro espacial, todo prédio, tem sempre fotos relacionadas ao espaço. Então, para qualquer lugar que você olhe, sua mente se dirige até essas fotos. Mas a melhor coisa que eu já fiz na minha vida foi visitar escolas. Eu não sou pago, eu recuso dinheiro. A única coisa que eu peço é ajuda para pagar a passagem de avião e a estadia, mas eu nunca peço dinheiro para falar.
OP – E como foi o apoio da sua família durante toda essa trajetória?
Gabe – Minha mãe morreu quando eu tinha 11 anos e meu pai trabalhava a noite, então, basicamente, eu cresci sozinho. E eu adorava. Eu podia fazer às minhas próprias decisões.
OP – Nas escolas, sobre o que o senhor fala com as crianças?
Gabe – Eu falo um pouco sobre a história do programa espacial e eu mostro alguns filmes curtos. Eu não falo como um engenheiro, eu falo como alguém que é igual a eles. Um fã de tudo isso. Se eu ficar muito na parte da técnica, não funciona, mas se eu falar do foguete se preparando, do chão tremendo, dos barulhos e das sensações de quando o foguete é lançado, eles entendem tudo isso. Eu tento levá-los comigos enquanto eu estou revivendo essas experiências. Eu falo sobre astronautas, ir à Marte, espaçonaves… mas eu falo mesmo é sobre sonhos e objetivos.
OP – O senhor tem algum conselho específico para jovens que estão desmotivados e não querem estudar?
Gabe – Você precisa ter um objetivo, então você terá um motivo para ir a escola, um propósito. E eu acho que uma das coisas mais difíceis para as crianças é saber o que você quer fazer. Então eu digo para as crianças que se elas não têm ideia do que elas querem fazer no futuro, elas devem se perguntar qual seria a coisa mais divertida que elas gostariam de fazer. Então se pergunte: “como eu chego lá, quantos passos eu preciso dar?”, planeje e se jogue. Você pode fazer qualquer coisa mas você precisa saber o que é. Eu me relaciono muito bem com crianças que passam por dificuldades na escola porque eu era do mesmo jeito. Muitas vezes, as escolas querem que eu fale com as crianças mais inteligentes e eu digo que não. Eu quero falar com as crianças que estão sofrendo. Eu não me vejo nas crianças inteligentes nas escolas. E se tem uma etapa que você não gosta mas precisa passar para chegar ao seu objetivo, tente não pensar nessa etapa como algo que você não quer fazer, mas sim como uma etapa que vai te levar até onde você quer. Tente fazer tudo que você faz de maneira positiva. É assim que eu vivo desde os meus 19 anos.
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