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60 anos de “Quarto de despejo: diário de uma favelada” e a pandemia

Condições de racismo e injustiças sociais são agravadas pela Covid-19, que já tem mais casos de morte nas periferias da Capital cearense. Confira análise da professora Anna Erika Ferreira Lima

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Representação gráfica de um coronavírus, que tem maior incidência na periferia
Na periferia, constatou-se maiores índices de mortalidade pelo novo coronavírus (Foto: Freepik)

“Quando estou na cidade, tenho a impressão que estou na sala de visita […]. E quando estou na favela tenho a impressão que sou um objeto fora de uso, digno de estar num quarto de despejo”, escreveu Carolina Maria de Jesus, mulher negra e favelada em 1960 no “Quarto de Despejo: Diário de uma Favelada”. Esse é o universo do racismo estrutural com seu projeto colonial, o qual se faz presente na maior parte da população negra invisibilizada. Bairros periféricos segregados, onde pessoas negras foram alocadas em lugares marginalizados, impedidas do acesso aos recursos e bens historicamente proporcionalizados para uma classe média e alta majoritariamente branca. Esse é também o lugar da fome e da Covid-19. Lócus que se territorializou as histórias que ganharam versões sonorizadas, como se apenas em meio à pandemia tivessem passado a existir.

Essas condições de racismo e injustiças sociais não surgiram apenas pela Covid-19. É importante frisar que as condições de Insegurança Alimentar e Nutricional (Insan), precários saneamento ambiental, abastecimento de água, coleta e tratamento dos esgotos e coleta inadequada dos resíduos sólidos, já estavam historicamente postos e potencializados por esse cenário de exclusão social mundial. A chegada do novo coronavírus (SARS-CoV-2), em um momento de estagnação econômica, desmontes dos sistemas de saúde e de proteção social e aumento acelerado da pobreza no Brasil, trouxe à tona o quadro que o Conselho Nacional de Segurança Alimentar  e Nutricional (Consea) já denunciava antes da sua extinção pela Medida Provisória 870/2019, de 1º de janeiro de 2019.

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A obra de Carolina Maria de Jesus, escrita há 60 anos, nos ajudou a questionar quem são esses sujeitos que estão à margem do lugar de direito, vivendo em espaços com elevada privação de acesso a condições materiais dignas ao ser humano. A autora denunciou as desigualdades que há séculos marginalizaram o povo negro; dentre elas, a sobreposição raça e classe. É essencial observarmos mais uma faceta do racismo ao analisarmos os boletins da Covid-19 e constatar que não evidenciam os casos pelos critérios raça e cor.

Periferia

Em Fortaleza, conforme a Prefeitura publicou em 24 de abril, com o número de casos confirmados maior em bairros nobres, a quantidade de óbitos foi mais alta em áreas periféricas da cidade: bairros como Barra do Ceará e José Walter, Vicente Pinzón, Jangurussu e o Cais no Porto lideraram o ranking. A Covid-19 não é democrática! Na periferia se constatou, além dos maiores índices de mortalidade, a maior quantidade de denúncias sobre a situação de Insan, enfrentada pelas mobilizações sociais que garantiram grande parte das doações de alimentos com as iniciativas dos coletivos populares e das organizações da sociedade civil, em poderosas redes de solidariedade para o enfrentamento da pandemia e da fome. A exemplo do trabalho incansável do Centro de Defesa e Promoção dos Direitos Humanos da Arquidiocese de Fortaleza, através da campanha “Elas e Eles Precisam de Nós Para se Proteger”.

As instituições públicas de ensino, extensão e pesquisa têm sido fundamentais nesse contexto. Ressalto o Instituto Federal do Ceará (IFCE), que já protagonizou mais de 162 iniciativas – comunicação social com vídeos, materiais didáticos nas redes sociais, campanhas de arrecadação de alimentos, produção de álcool 70% e EPIs – apoio imprescindível ao combate à pandemia. Nossa querida Carolina Maria de Jesus nunca foi tão atual passados 60 anos do lançamento de seu primeiro livro que diz ser “amarela” a cor da fome; e também  indispensável para o enfrentamento e mudança desta realidade de vulnerabilização do povo negro, ao alertar a importância do fortalecimento da democracia, uma vez que “tudo que está fraco, morre um dia”!

Profa. Dra. Anna Erika Ferreira Lima
Professora do IFCE-Campus Fortaleza,
coordenadora do Neabi-Campus Fortaleza

e membro do Consea-CE
Especial para O POVO

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