Ainda são muitos os ecossistemas de trabalho em que predominam valores masculinos, e o setor de construção segue sendo um ícone disso. Afinal, que outro cenário remete tanto a testosterona quanto a imagem de um canteiro de obras? Ao longo de muitas décadas, o clima nesse mercado foi de “menina não entra”, quase como nas superstições que assombravam os antigos marinheiros, para quem mulher no navio era sinônimo de azar.
Mas, felizmente, meninas são teimosas e não desistem do sonho – tão antigo e tão atual – de igualdade. E, para provar nossa capacidade, temos a História em nosso favor. Na ausência dos homens durante a II Guerra Mundial, foram as mulheres londrinas que ergueram a Ponte de Waterloo, eternizada nos quadros de Monet. Lina Bo Bardi, Tomie Ohtake e Rosa Kliass são, sem dúvida, três das principais referências arquitetônicas da cidade de São Paulo, coração financeiro do Brasil.
Também em São Paulo, estamos demolindo o paradigma de que chefiar obra não é coisa para mulher. Em uma startup dedicada a reformas de apartamentos novos, mais de 80% das obras são tocadas por gestoras do sexo feminino. O esforço cotidiano é de transformar práticas e noções para que, no futuro, as próximas gerações possam entrar em um mercado de construção mais igualitário.
Nosso desafio é gigantesco. No mundo lá fora, até hoje, a maioria das mulheres empregadas pelo setor atuam em funções de organização, têm cargos administrativos ou trabalham na limpeza. Transformar isso é modificar os fundamentos de uma estrutura arcaica e já bastante comprometida; é reformar, do piso ao teto, toda uma lógica de mercado para erguer novas oportunidades e, sobretudo, instalar imediatamente mais respeito.
No dia a dia de uma gestora de obras, um inadequado “oi, linda” pode facilmente escapar da boca de um homem em substituição ao necessário “bom dia”. Uma cobrança de trabalho pode aflorar egos masculinos feridos ou despertar olhares de “o que é que essa menina quer?”. E, todo dia, é dia de não baixar a cabeça.
Somos muitas e estamos construindo os novos alicerces com firmeza. Lugar de mulher é no canteiro de obras, sim, porque lugar de mulher é onde ela quiser. E, por aqui, quem manda na obra são elas!
Gabriela Couto
Arquiteta e responsável por seleção de profissionais de gestão de obras da Decorati, startup especializada em reforma de apartamentos
Especial para O POVO
Recomendados para você
-
gestão de pessoas
Mercado de trabalho e o desafio do RH no futuro pós-pandemia
-
Artigo
Inserção da juventude no mercado de trabalho é o desafio da década
-
EMPODERAMENTO
Igualdade de gêneros no mercado de trabalho: “girls just wanna be CEO”
-
EMPREGOS
Como a indústria 4.0 está transformando o mercado de trabalho